top of page

E a vacina?

Segundo a OMS, o Brasil é um dos países referência mundial em vacinação. No entanto, ainda há grupos que brigam por mais vacinas e outros que não se vacinam 

Por: Tainara Cavalcante

No dia 11 de agosto de 2015, diversas mães saíram às ruas em uma manifestação pacífica até a Câmara de Vereadores de Viamão, no Rio Grande do Sul. Os cartazes e gritos de protestos eram um pedido simples: vacinação. A passeata aconteceu depois de cinco meses com diversas suspeitas de meningite, sete casos e duas mortes na cidade gaúcha. Mas a maior preocupação veio depois de um surto na localidade de Cachoeirinha, há 28km de Viamão. 

 

O evento foi organizado através de um grupo no Facebook, chamado “Pela vacina contra meningite... Quem salvará nossos filhos!”, criado pela assistente social Laura Amélia Cardoso, conselheira tutelar do município. Até hoje, o grupo funciona com 1.500 membros (dados de outubro de 2018). 

 

“Nos juntamos via Facebook, onde começamos a tirar as dúvidas referente à doença. Depois da passeata, o doutor Marcelo Garcia começou a nos orientar como funciona e dar um norte. Eram seis mães, mas depois cresceu.  Também começaram a ter muitas informações falsas, anunciando falecimento de criança que não conseguiram rastrear, então não eram verídicas e isso causou pânico”, relata Laura.  

 

Os primeiros casos na cidade foram um menino de 5 anos que morava em uma zona rural de Viamão e uma menina de 4. Ambos estudavam na escola particular Pró-Futuro, no município de Águas Claras. De acordo com matéria do G1 do dia 17 de Março de 2015,  as duas crianças foram enviadas às pressas para o Hospital São Lucas da PUCRS em Porto Alegre, mas o garoto. Adriano Amaral Camargo morreu consequente da meningite B. Quatro dias depois surgiram mais dois casos. 

 

Em média, o Rio Grande do Sul é o terceiro estado com a maior incidência de meningite do País. Só em 2015 apresentou 1.216 casos, o segundo maior índice dos últimos cinco anos no estado. No entanto, o foco da doença está em cidades grandes e populosas. Apesar do número alto na cidade, a capital Porto Alegre apresentou, em 2015, oito vezes o número de casos em Viamão. 

 

Através das conversas do grupo do Facebook, as mães descobriram que a vacina de meningite B não está na rede pública. O custo aproximado de cada dose pode chegar a R$600,00, e só poderia ser oferecida pela rede pública mediante a um surto, que foi descartado pelos técnicos de saúde do estado. Em 2016, o número de meningite notificada como meningocócica B dobrou em Viamão e, em 2017, triplicou. “Começamos a discutir a partir do princípio que era inaceitável que se aguardasse que crianças ficassem doentes para, daí, recebermos a vacina”, complementa a conselheira.  

 

O protesto reivindicava a vacinação das crianças nas redes de ensino, além de um reforço da vacina meningocócica C. As mães conseguiram ser recebidas no dia 14 de agosto pelo prefeito na época, Valdir Bonatto, a secretária Municipal de Saúde, Sandra Sperotto, para um esclarecimento do que estava acontecendo na cidade. Agentes do estado também compareceram para explicações técnicas sobre a doença e para tranquilizar a população. 

Queda da vacinação de meningite C 

Se por um lado há uma preocupação extensiva pela vacinação de meningite, por outro, há uma queda na taxa de vacinação contra a doença em todo o Brasil. O índice caiu quase 20% em 2017 segundo o Sislab (Sistema Nacional de Laboratórios e Saúde Pública) - a taxa mais baixa desde que foi implementada. Este fenômeno atingiu o calendário inteiro de vacinação e, consequentemente, trouxe doenças que até pouco tempo haviam sido erradicadas. As causas variam desde notícias falsas até aqueles que acreditam que existem vacinas demais. 

 

A imunização contra meningite em todo o País começou apenas em 2010 com uma boa cobertura, de acordo com o programa de vacinação do Ministério da Saúde. No entanto, durou até 2015, quando o número de vacinados regrediu. Em 2016, a taxa diminuiu para 83% e, em 2017, não passou dos 80%. Um percentual baixo, de acordo com o Programa Nacional de Vacinação. A ideia é que se vacine, pelo menos, 95% da população para dar um efeito de “imunidade de rebanho”  ou “imunidade coletiva”, expressões usadas por infectologistas. O conceito é que os 5% restantes que não se vacinaram, por algum motivo, não corram riscos de se infectar.  

 

Dos tipos de meningite bacteriana, a meningocócica é a mais perigosa, com uma taxa de mortalidade de 22%. Ela foi também a causa das quatro epidemias de meningite no Brasil. No entanto, a meningocócica possui características distintas, conhecidas como sorogrupos. Segundo Ana Paula Lemos e Maria Cecília Gorla do Núcleo de Meningites e Doenças Meningocócicas -IAL, estes sorogrupos são divididos entre letras, e os mais frequentes são A, B, C e WXY.  

Com uma doença contagiosa e um histórico epidêmico, a notificação de meningite tornou-se compulsória, ou seja, todos os casos são notificados pelo Sistema de Vigilância Epidemiológica que também faz uma quimioprofilaxia – técnica que utiliza antibióticos em pessoas que não estão doentes para prevenir a infecção e evitar o desenvolvimento – a fim de evitar surtos da doença.  

 

Ana Paula Lemos destaca também que, além da quimioprofilaxia, são coletadas cepas (amostras das bactérias que circulam a fim de monitorar e controlar a doença) em todo o País, medidas que ajudam a diminuir a incidência de meningite. Mas apesar de todas estas precauções, a doença ainda tem um índice alto, principalmente a meningite viral, que é responsável por quase a metade dos casos no país. 

A população de Viamão não foi vacinada 

Todos os anos, o Ministério da Saúde aumenta os gastos com imunobiológicos (vacinas, anticorpos e soros). Só em 2017, foram cerca de 4 bilhões. No Calendário Nacional de Vacinação são oferecidas 17 vacinas para prevenir 20 doenças diferentes, tornando o Brasil referência mundial de vacinação de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde). 
 

Apesar deste reconhecimento, a variedade para a doença meningocócica é limitada. Dos seis sorogrupos conhecidos, a rede pública só oferece a prevenção da meningite C. O Ministério da Saúde alega que, no calendário, há outras três que combatem a meningite: a vacina de meningite tuberculosa e outras duas vacinas que previnem a bactérias que podem causar a doença. Mas não há a compra de vacinas propriamente para os sorogrupos A, B ,W e Y.  

 

A cada ano, mais de 800 pessoas morrem de meningite bacteriana no Brasil. Pelo menos 28 pessoas faleceram de meningite meningocócica B em 2015. Em Viamão, o pedido de vacina foi negado pela Secretaria Municipal de Saúde por não chegar ao nível de surto. Em nota, o órgão afirmou que, em 2015, apenas a cidade de Cachoeirinha teve surto de meningite e recebeu as doses da vacina. Porém, enfatizou que deram toda a atenção ao movimento realizado em Viamão.  

Depois da passeata, a Secretaria Estadual de Saúde enviou uma equipe para explicar a doença, as diferenças, pois havia casos de meningite viral e bacteriana, seu processo de transmissão e as prevenções. Assim como no grupo do Facebook, o médico Marcelo Garcia esclarecia as dúvidas. No entanto, as mães ainda queriam as vacinas. “Era inaceitável esperar que as crianças ficassem doentes para depois fornecer a vacina. O máximo que conseguimos foi sermos recebidas por vereadores que iniciaram um debate sobre a fragilidade do sistema na intervenção de possíveis surtos. Saímos com a certeza que as secretarias de saúde estão totalmente despreparadas”, complementa Laura. 

 

Dois anos depois, no dia 20 de dezembro de 2017, foi aprovado um projeto de lei chamado “Semana Municipal de Prevenção e Combate à Meningite” em Viamão. Criado pelo vereador Joãozinho da Saúde – PMDB, o projeto nº268/2017 consiste em atividades recreativas e culturais para promover a saúde. Realizado na semana do dia 24 de abril – Dia Mundial Contra a Meningite - a ideia é que sejam sete dias de conscientização, com a distribuição de panfletos e médicos de prontidão para tirar as dúvidas. 

A luta pela vacina também está em todo o País

Hoje, a meningite tem uma incidência de 15 mil casos por ano no Brasil. São mais de mil infectados todos os meses. A maioria é viral – menos perigosa - seguida pela bacteriana e depois a pneumocócica. Porém, 15% dos casos não são identificados, o que dificulta no diagnóstico da doença que por si só já é complexa.

O que aconteceu em Viamão não é um caso isolado. Só no Facebook, há 15 grupos e oito páginas (até outubro de 2018) que falam apenas sobre meningite no País. Eles geralmente são criados por mães que se mantêm informadas sobre os calendários de vacinação, surtos e sintomas da doença. Em muitos deles, elas pedem com bastante frequência correntes de oração e relatam óbitos de seus filhos ou parentes.   

 

Há também inúmeras petições online pela vacina de meningite B e reforço da meningite C. Só no site PetiçãoPública.com.br são 15 pedidos (até outubro de 2018) em várias regiões do Brasil, assim com em outros sites, como o Change.org, onde Renata Arruda (32), de São Paulo. fez uma petição para as vacinas de meningite B, ACWY. Ela resolveu pedir depois que o filho do vizinho morreu com suspeita da doença e ela percebeu que seu próprio filho não estava suficientemente imunizado. “Aquilo bateu um desespero e um estalo, por ser uma doença contagiosa. Nisso, resolvi fazer o abaixo-assinado, porque a maioria ou desconhece essas vacinas, ou também não possui condições de pagar por elas, e é uma doença que age de forma rápida”, relata. 

​

A petição “SUS, inclua vacinas para prevenir a meningite em seu calendário de vacinas disponíveis!” teve (até outubro de 2018) mais de 163 mil assinaturas e a meta é chegar a 200 mil. São Paulo é o estado que mais notifica a doença. Só em 2017 foram mais de seis mil casos de meningite, quase 40% da taxa de todo o País. Segundo Ana Paula Lemos, do Núcleo de Meningites e Doenças Meningocócicas (IAL), este é apenas o número de casos. Não há uma estimativa das sequelas da doença, que podem variar de surdez até paralisia cerebral. 

Escondida na ditadura
Censura
deferenças_dos_sorogrupos.jpg
Teste em massa

“Algumas mães estavam em pânico. Quando vem o óbito dessa criança, as mães se desesperam, querem saber, não se entende a forma de transmissão, não se entende muito sobre as vacinas, porque as vacinas começam a perder o efeito. Por isso começamos a comprar essa briga com a Secretaria de Saúde” - Laura Amélia Cardoso - 2018 

A vacina de Meningite B  

O sorogrupo B é resistente. Na década de 1980, quando houve uma epidemia da meningite brasileira, a bactéria resistiu por 20 anos, não só aqui, mas também na Inglaterra, que chegou a ter uma letalidade de 22%. No Brasil, a epidemia durou até a chegada de uma vacina cubana que levou a doença novamente ao seu estado endêmico. Um estudo realizado na região de Campinas (SP), na década de 1990, mostrou que o risco de morte pelo sorogrupo era 2,33 vezes mais alto do que dos outros tipos. 

 

No período da epidemia, foram vacinadas 2,4 milhões de crianças na Grande São Paulo e no Rio de Janeiro de 3 meses a 6 anos de idade. No entanto, um estudo de caso para avaliar a efetividade da vacina constatou que ela só foi eficaz para crianças maiores de 3 anos. Depois que a meningite B voltou aos níveis baixos, o Ministério da Saúde suspendeu a vacinação. 

 

Hoje, no País, há duas vacinas autorizadas contra meningite B na rede privada, com doses que chegam a R$600,00. Maria Cecília Gorla, do Núcleo de Meningites, Pneumonias e Infecções Pneumocócicas - IAL, diz que até hoje aprimora-se uma vacina com uma maior eficácia, que possa gerar o efeito de “imunidade coletiva”.  

 

“A vacina não é baseada no envoltório da bactéria, como é o sorogrupo C, W, A.  Não dá para pegar uma (bactéria) do sorogrupo B, uma cápsula dela e fazer uma vacina, porque as estruturas desse antígeno são parecidas com o que temos nas células neurais. Então você não pode fazer uma vacina com uma coisa que o seu corpo pode reconhecer como próprio. É preciso procurar outras estruturas. Nesse contexto, as vacinas estão sendo ainda melhoradas”, complementa. 

Nova vacina contra meningite 

Atualmente, o Ministério da Saúde planeja comprar uma vacina quadrivalente, ou seja, que previne contra quatro tipos de sorogrupos da meningite (A, C, W e Y) para ser aplicada inicialmente em adolescentes a partir dos nove anos de idade, de acordo com informações da LAI (Lei de Acesso à Informação), A ideia é que a nova vacina substitua a meningicócica C do Calendário Nacional de Vacinação em razão de uma maior circulação destes quatro tipos de sorogrupos hoje. 

 

Em nota, o Ministério da Saúde esclareceu que não há previsão da implementação por conta de trâmites para a aquisição e a capacidade produtiva dos laboratórios. No dia 13 de agosto de 2018, a Coordenação-Geral do Programa Nacional de Imunizações (CGPNI) realizou uma audiência pública com a participação das empresas Pfizer, GSK e SANOFI, mas não há uma garantia que uma delas fabrique a vacina. 

bottom of page